quinta-feira, abril 19, 2007

O livro dentro do livro/1
Uma Janela em Copacabana & A Dama-Fantasma


No livro de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Uma janela em Copacabana, na página 23, Delegado Espinosa se interessa pelo livro de Cornell Woolrich:

“As duas horas seguintes foram dedicadas a examinar um livro que viera junto com algumas centenas de outros herdados da avó, e que na época lhe despertara especial atenção. De tempos em tempos a avó tinha necessidade de se livrar de parte dos milhares de livros que guardava empilhados em dois cômodos do seu apartamento, e o destino desse refugo era o apartamento do neto, que herdara dela o hábito de empilhar livros. O estilo de cada um era diferente: pilhas anárquicas, ela; pilhas ordenadas junto à parede, ele. Em comum, tinha o desprezo por estantes. Gostara do título Phantom Lady e da encadernação em perfeito estado, apesar da edição de 1942. Seu conhecimento de língua inglesa era sofrível, melhor para leitura do que para conversação. Não conhecia o autor, William Irish, até saber, pela orelha de outro livro, que William Irish era pseudônimo de Cornell Woolrich. Gostou do título do primeiro capítulo, 'O centésimo qüinquagésimo dia antes da execução'. Achou que um autor que começava um livro anunciando que alguém seria executado dentro de cento e cinqüenta dias, e cujos capítulos seguintes eram nomeados em ordem decrescente até 'Um dia, depois da execução', devia ser lido.”

Uma indicação do Delegado Espinosa não tem como não seguir!

terça-feira, abril 10, 2007

por dentro do crime?


quando, por casualidade ou indicação de amigos (ou inimigos), o livro "por dentro do crime" de márcio christino cair em suas calejadas mãos siga as seguintes instruções:
primeiro: esqueça a imagem da capa; segundo: ignore os textos de quarta capa e das orelhas e terceiro: apague o subtítulo.
pronto: você está preparado para ler.

traduzindo: o livro é bom demais. a capa não tem nada a ver. o subtítulo diminui e restrige o impacto e força do texto; os textos de orelha e quarta capa espantam o leitor.
se o livro tivesse a cara da companhia das letras seria outra coisa, enfim um livro brasileiro que merece e deve ser lido.

sexta-feira, abril 06, 2007

trilhasonora5/perversão na cidade do jazz/james lee burke



deixei batist no café e atravessei a praça, passando pela catedral de st. louis, onde, à sua sombra, alguns músicos de rua se preparavam para começar a tocar.

o bar em napoleon estava cheio, o barulho era ensurdecedor e não consegui ver clete em nenhuma das mesas. foi então que percebi que, no pequeno palco, algo de excepcional estava acontecendo. fat man, o músico de rhythm and blues mais famoso já produzido por nova orleans, tinha saltado de sua limusine cadillac rosa-choque bem em frente ao bar e, como um messias retornando aos seus seguidores, com a capa branca cheia de lantejoulas e a pele preta de carvão quase ofuscante em seu brilho púrpura elétrico, caminhou diretamente ao piano através da multidão em festa. entre sorrisos e acenos, a cara de morsa irradiando paz e uma auto-satisfação inocente, começou a dedilhar when the saints go marching on.
o local veio abaixo.

sim eu sei, respondeu ele. este é o da orquestra de benny goodman, em 1933. mas tem poeira nas bordas. está vendo? a abertura da capa deve ficar sempre virada para o lado de dentro da prateleira. enfiou sua mão enorme dentro de uma das capas de papel e puxou o disco para fora.

deus te abençoe! adoro dançar esse rock'n'roll antigo, quando os sherlocks da homicídios afiam suas garras.

a música rap que saía pelos alto-falantes de um estéreo era ensurdecedora, um ataque eletrônico às sensibilidades.

ele sabia algo sobre a história do jazz. sabia até como tratar discos raros de 78 rotações.

jazz tinha a conotação de fornicar. músicas como easy rider ou house of rising sun eram verdadeiros hinos ao vício em morfina e ao desespero suicida das prostitutas que viviam nos bordéis de perdido street.

falei com um velho clarinetista negro na preservation hall, com um saxofonista que costuma trabalhar para marcia ball no famous door, e com uma mulher branca de 150 quilos, cabelos flamejantes e vestido de lantejoulas que brilhava como cristais de gelo, que tocava piano blues num buraco em dumaine.

esse tipo de cara não gosta de música, gosta de ouvir alguém gritando.

jogou uma moeda na vitrola e arrancou big boss man lá de dentro. a seguir, ficou estalando os dedos e batendo palmas enquanto procurava outras músicas.

da frente da casa vinham acordes fracos e abafados de uma orquestra de jazz de 1929. e então, o inequívoco som de trompete de buck johnson, semelhante a um sino, crescendo acima da confusão melódica dos saxofones.

meu pai, aldous, que tinha acabado de receber o salário, pagava rodadas no bar e dançava com minha mãe, enquanto a vitrola tocava:
jolie blonde, garde donc c'est t'as fait.
ta m'as quit- pour t'en aller,
pour t'en aller avec un que moi.

foi o verão em que just a dream, de jimmy clanton, tocava em todas as vitrolas espalhadas pelo sul da louisiana.

a música é um clube. é como pertencer à igreja. não importa em que sala você está, desde que esteja no mesmo prédio. está me acompanhando?

numa daquelas noites primaveris, fomos ao new orleans jazz and heritage festival, em fairgrounds, o fat man estava no palco com a banda, o paletó de lantejoulas revestido de um brilho cor de lavanda, o suor marcando seu rosto de leão-marinho como fios de plástico transparente, as mãos rechonchudas e os dedos, cheios de anéis, grossos como salsichas martelando as teclas do piano, as pessoas começaram a dançar no pátio, rebolando como adolescentes dos anos 40, fazendo o bop, o dirty boogie, o twist, o shag, braços e pernas em ângulos extravagantes, cheios de uma inocência erótica.

segunda-feira, abril 02, 2007

Desumano



Olívia é uma moça jovem. Estudante de Letras da USP e escritora de um blog de grande audiência, o forsit. Representante da nova geração de escritores.

Talento que, para nossa sorte, escolheu trilhar suas primeiras letras impressas pela literatura policial.

No seu livro de estréia, Desumano, o protagonista é Márcio. Também jovem e estudante da USP. Mas, com um talento um pouco diferente das letras.

Na trama ele deve descobrir quem foi que matou sua mãe e por que. Só que antes vai ter que provar que não foi ele mesmo. Na fuga, driblando o cerco da polícia, ele conta com a ajuda de Luisa, uma moça curiosa e simpática prostituta.

Destaque para a Vila Madalena, bairro de classe média de São Paulo que acaba se transformando em uma espécie de personagem da trama. Seus charmosos e às vezes sinistros becos e ladeiras escondem segredos cuja revelação poderá custar caro.

O final não chega a surpreender, mas tem um impacto, no mínimo, perturbador. E isso já vale a investida.

Um conto que virou livro e que talvez renda até um segundo capítulo...

Abraços criminais,