terça-feira, junho 30, 2009

Resenha: Anjos e Demônios, de Dan Brown

Entretenimento 101

Sinopse: Antes de decifrar o código de Da Vinci, Robert Langdon, famoso professor de Simbologia de Harvard, viveu sua primeira aventura na Itália, quando tenta impedir que uma antiga sociedade secreta destrua a Cidade do Vaticano.

Uma resenha de um livro de Dan Brown só faz sentido se feita no dia seguinte ao lançamento, uma vez que após esse período todo mundo já leu o livro e nada que seja dito será novidade ou acrescentará ao conhecimento de quem ler a resenha. Então, para que esta resenha agora? Bom, para fazer alguns comentários e comparações.

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que Anjos e Demônios, tanto o livro quanto o filme, é melhor que O Código Da Vinci. Infinitamente melhor. É um thriller mais bem escrito, que não exagera nas lições de História e não abusa das polêmicas. Talvez por ter sido o segundo livro de Dan Brown (em ordem cronológica, já que foi publicado nos EUA em 2000), a vontade de criar conflitos com o Igreja Católica estivesse presente no autor, mas de forma ainda não tão preponderante a ponto de atrapalhar o enredo.

A estrutura criada por Brown, repetida em todos os seus livros, assemelha-se a um dos folhetins de Nelson Rodrigues. Invariavelmente, seus capítulos terminam com um gancho, que prende o leitor até o próximo.

Ocorre que o próximo capítulo nem sempre foca o mesmo personagem do capítulo anterior, razão pela qual o leitor segue virando as páginas, ávido para encontrar o desfecho daquele outro capítulo. Nesse meio-tempo, outras histórias se entremearam à narrativa e, quando se dá conta, o leitor está enredado em uma sucessão de acontecimentos inesperados que atraem e prendem sua atenção de forma irresistível.

E é só. Quer dizer, contar uma história de forma tão intrigante e envolver o leitor com tanta diligência não é para qualquer um, mas daí a levar o que está escrito a ferro e fogo e enxergar em Dan Brown um anticatolicismo apocalíptico é forçar a barra.

Brown é um excelente contador de histórias que segue a fórmula dos thrillers muito bem: um herói, um vilão, uma catástrofe iminente e uma corrida contra o tempo para encontrar as várias pistas para evitá-la. Esse conjunto de elementos é amplamente usado em livros e filmes (quase todos os de 007, só para citar um exemplo) e dá certo.

Dan Brown é alguém que cumpre o que promete. Entretenimento puro, sem culpa. Ler mais que isso nas suas palavras é discutir o sexo dos anjos.

Resenha publicada originalmente no site Homem Nerd.

quinta-feira, junho 18, 2009

Resenha: Uma Janela em Copacabana, de Luiz Alfredo Garcia-Roza

Ecos dos mestres

Sinopse: Três policiais assassinados. Embora em locais diferentes, o método utilizado e a falta de testemunhas é o que liga os crimes e chama a atenção de Espinosa. Conforme a investigação avança, o delegado percebe que outros policiais podem estar implicados enquanto ele próprio se envolve com mulheres lindas e perigosas.

No quarto livro escrito por Garcia-Roza (Achados e Perdidos), Espinosa está às voltas com uma investigação bastante delicada. A morte de três colegas causa um rebuliço em toda a polícia, que não sabe se deve suspeitar de criminosos ou de mandantes pertencentes à própria corporação. É justamente isso, o fato de haver tanta desconfiança entre colegas, que faz com que Espinosa passe a questionar seu trabalho.

Em Uma Janela para Copacabana, o que o leitor encontra é um profissional desanimado, cuja rotina de trabalho está matando o espírito que originalmente foi o estímulo para Espinosa se tornar um policial honesto e respeitado. Ainda assim, o delegado se dedica a desvendar o mistério por trás das mortes dos colegas com o mesmo profissionalismo que acompanhamos desde O Silêncio da Chuva. Encarregado de uma força-tarefa que deve investigar seus iguais, Espinosa passa a maior parte do livro arisco, atento a tudo e a todos, pisando em ovos, como se diz por aí.

Neste livro, há três personagens femininas bastante importantes. A primeira é Irene, que Espinosa conheceu em Vento Sudoeste e com quem continua a se encontrar em uma espécie de namoro light. Irene funciona como um contraponto para a vida profissional de Espinosa. É na presença dela, nas conversas com ela, que Espinosa desenvolve suas teorias e de quem obtém uma perspectiva externa dos crimes.

A segunda personagem é Celeste, namorada de um dos policiais assassinados e cuja presença, mais etérea que corpórea, é espreita constante na narrativa. Numa analogia ao angustiante livro de Cornell Woolrich, A Dama Fantasma (Phantom Lady)*, Celeste é capaz de aparecer com as respostas de que o delegado precisa apenas para, no minuto seguinte, desaparecer e gerar mais dúvidas ainda.

Por fim, a terceira mulher, Serena. Impossível não se lembrar de Lisa Fremont, de Janela Indiscreta (Rear Window, 1954). Não que Serena seja elegante ou refinada como Grace Kelly, mas a obsessão que desenvolve em relação à vigília da janela do apartamento em frente ecoa a trama de Hitchcock. Serena é, na verdade, mais uma vítima da investigação de Espinosa. Ao mesmo tempo em que tenta desempenhar o papel de mulher fatal, a tentação que o delegado vacila entre combater e abraçar, Serena é envolvida em uma trama muito mais complexa do que ela poderia esperar e da qual não sabe se defender.

Como em Vento Sudoeste, o final é nebuloso, mas, de novo, pouco importa. Garcia-Roza quebra os paradigmas da literatura policial clássica e nos mostra que contar uma história pode ser tão ou mais interessante que seu desfecho.

*Espinosa compra o livro de Woolrich em um sebo, depois de ler o título do primeiro capítulo, que evoca uma contagem regressiva até a execução da sentença de morte do narrador. O autor norte-americano Cornell Woolrich é autor de inúmeros romances e contos, muitos dos quais foram adaptados para o cinema. Um dos mais famosos é “It Had to Be Murder”, que originou o já mencionado Janela Indiscreta, no qual este Uma Janela em Copacabana claramente se inspira.

Resenha publicada originalmente no site Homem Nerd.

segunda-feira, junho 01, 2009

Literatura: Vento Sudoeste, de Luiz Alfredo Garcia-Roza

O meio justifica os fins

Sinopse: No dia de seu aniversário, Gabriel ouve a previsão de que cometerá um assassinato antes de completar mais um ano de vida. Apavorado, o rapaz procura o delegado Espinosa para pedir que ele investigue o crime, que ainda não ocorreu. Gabriel também não sabe quem será a vítima ou por que tentará matá-la.

No terceiro livro de sua carreira, Luiz Alfredo Garcia-Roza dá espaço para que sua experiência como psicólogo e psicanalista influencie sua escrita de maneira incisiva, o que não é um defeito. Muitos estudiosos brasileiros, quando resolveram deixar de lado o meio acadêmico para se dedicar à escrita de ficção, ainda que temporariamente, optaram pela literatura policial e por situar a narrativa em ambientes que lhe são familiares. A professora de Direito da USP, Ada Pellegrini Grinover, escolheu esse caminho em Morte na USP, assim como o antropólogo Reginaldo Prandi (autor de livros sobre orixás e religiões africanas) com seu Morte nos Búzios, para citar apenas dois exemplos. Assim, é muito bem-vinda o viés analítico que Garcia-Roza imprime a Vento Sudoeste.

A premissa do livro já parece coisa de gente, digamos, desprovida de funções psicológicas normais, para usar uma linguagem politicamente correta. Espinosa é convocado a investigar um crime que ainda não ocorreu, do qual vítima, motivo e modus operandi são desconhecidos e cujo delator é o próprio assassino que ainda não o é.

Excepcionalmente, o interessante neste livro não é o desvendar do crime em si, atrativo de toda história policial, mas a escalada da paranoia de Gabriel e sua luta interna para não deixar que a predição do vidente se concretize. Mais uma vez, a escolha do foco narrativo na terceira pessoa e de forma onisciente permite que o leitor entre na mente de Gabriel e acompanhe a dimensão que o rapaz dá à previsão do vidente e como ele permite que isso se torne o centro de sua existência. É também o recurso do narrador onisciente que dá ao leitor pequenas pistas da personalidade de Gabriel e de sua mãe.

Dona Alzira, mãe de Gabriel, aliás, é outros quinhentos. Muito bem construída, a personagem pouco se faz notar, mas de maneira sorrateira adquire importância e explode diante dos olhos do leitor, que se pegará voltando as páginas para conseguir entender como não percebera antes a mudança que acaba de se operar.

Duas coisas ainda valem a pena ser ditas sobre Vento Sudoeste, uma boa e outra não tão boa. A não tão boa é que a personagem feminina bola da vez para Espinosa deixa muito a desejar se comparada a Bia Vasconcellos e Alba (de O Silêncio da Chuva) e Flor (de Achados e Perdidos). Irene não tem a elegância, a agressividade ou o traquejo de nenhuma de suas antecessoras.

O que resta de bom para ser destacado é, mais uma vez, a ousadia do autor. Se em O Silêncio da Chuva, ele conta o final antes mesmo de o livro começar, em Vento Sudoeste o livro termina, mas o leitor não tem certeza do que aconteceu. Nesse caso, pouco importa o fim, é o meio com que chegamos lá que faz a diferença quando se trata de Garcia-Roza e do delegado Espinosa.

Resenha publicada originalmente no site Homem Nerd.