sexta-feira, abril 06, 2007

trilhasonora5/perversão na cidade do jazz/james lee burke



deixei batist no café e atravessei a praça, passando pela catedral de st. louis, onde, à sua sombra, alguns músicos de rua se preparavam para começar a tocar.

o bar em napoleon estava cheio, o barulho era ensurdecedor e não consegui ver clete em nenhuma das mesas. foi então que percebi que, no pequeno palco, algo de excepcional estava acontecendo. fat man, o músico de rhythm and blues mais famoso já produzido por nova orleans, tinha saltado de sua limusine cadillac rosa-choque bem em frente ao bar e, como um messias retornando aos seus seguidores, com a capa branca cheia de lantejoulas e a pele preta de carvão quase ofuscante em seu brilho púrpura elétrico, caminhou diretamente ao piano através da multidão em festa. entre sorrisos e acenos, a cara de morsa irradiando paz e uma auto-satisfação inocente, começou a dedilhar when the saints go marching on.
o local veio abaixo.

sim eu sei, respondeu ele. este é o da orquestra de benny goodman, em 1933. mas tem poeira nas bordas. está vendo? a abertura da capa deve ficar sempre virada para o lado de dentro da prateleira. enfiou sua mão enorme dentro de uma das capas de papel e puxou o disco para fora.

deus te abençoe! adoro dançar esse rock'n'roll antigo, quando os sherlocks da homicídios afiam suas garras.

a música rap que saía pelos alto-falantes de um estéreo era ensurdecedora, um ataque eletrônico às sensibilidades.

ele sabia algo sobre a história do jazz. sabia até como tratar discos raros de 78 rotações.

jazz tinha a conotação de fornicar. músicas como easy rider ou house of rising sun eram verdadeiros hinos ao vício em morfina e ao desespero suicida das prostitutas que viviam nos bordéis de perdido street.

falei com um velho clarinetista negro na preservation hall, com um saxofonista que costuma trabalhar para marcia ball no famous door, e com uma mulher branca de 150 quilos, cabelos flamejantes e vestido de lantejoulas que brilhava como cristais de gelo, que tocava piano blues num buraco em dumaine.

esse tipo de cara não gosta de música, gosta de ouvir alguém gritando.

jogou uma moeda na vitrola e arrancou big boss man lá de dentro. a seguir, ficou estalando os dedos e batendo palmas enquanto procurava outras músicas.

da frente da casa vinham acordes fracos e abafados de uma orquestra de jazz de 1929. e então, o inequívoco som de trompete de buck johnson, semelhante a um sino, crescendo acima da confusão melódica dos saxofones.

meu pai, aldous, que tinha acabado de receber o salário, pagava rodadas no bar e dançava com minha mãe, enquanto a vitrola tocava:
jolie blonde, garde donc c'est t'as fait.
ta m'as quit- pour t'en aller,
pour t'en aller avec un que moi.

foi o verão em que just a dream, de jimmy clanton, tocava em todas as vitrolas espalhadas pelo sul da louisiana.

a música é um clube. é como pertencer à igreja. não importa em que sala você está, desde que esteja no mesmo prédio. está me acompanhando?

numa daquelas noites primaveris, fomos ao new orleans jazz and heritage festival, em fairgrounds, o fat man estava no palco com a banda, o paletó de lantejoulas revestido de um brilho cor de lavanda, o suor marcando seu rosto de leão-marinho como fios de plástico transparente, as mãos rechonchudas e os dedos, cheios de anéis, grossos como salsichas martelando as teclas do piano, as pessoas começaram a dançar no pátio, rebolando como adolescentes dos anos 40, fazendo o bop, o dirty boogie, o twist, o shag, braços e pernas em ângulos extravagantes, cheios de uma inocência erótica.

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