segunda-feira, março 26, 2007

Entrevista exclusiva: Luiz Alfredo Garcia-Roza



O nome Espinosa, para nós brasileiros, identifica muito mais o delegado da 12a.DP em Copacabana do que o filósofo holandês do século XVII. O autor de tal proeza dispensa apresentações: Luiz Alfredo Garcia-Roza, referência quando se fala em literatura policial brasileira. Depois de colocar seus fiéis leitores em estado de alerta, ao lançar o romance Berenice procura sem seu mais famoso personagem, Garcia-Roza devolve para nós o delegado Espinosa, em Espinosa sem saída. Leia a entrevista exclusiva concedida à LivrariadoCrime.

segunda-feira, março 19, 2007

trilhasonora4/ferrovia do crepúsculo/james lee burke




ele engraxou os sapatos de todo elenco da produção cinematográfica evangeline, de 1929, e lustrou os sapatos da orquestra de harry james e do senador huey long pouco antes de ser assassinado.

as janelas do lugar trepidavam e até mesmo balançavam com a reverberação provocada por pés dançando, acordeões, baterias e guitarras elétricas cuja microfonia gritava alto como unhas arranhando a ardósia.

ninguém se lembrava do nome do músico, exceto pelas pessoas que, nos anos 50, acreditavam ser ele o maior talento surgido desde bix beiderbecke. o som melancólico de seu trompete hipnotizava platéias inteiras que assistiam a seus concertos ao ar livre na praia de west venice. seus cabelos e olhos negros, a pele clara e uma beleza fatal que parecia morar em seu rosto, qual uma rosa branca desabrochando em meio a luzes negras, tudo isso fazia com que as mulheres virassem o rosto para encará-lo ao passarem por ele na rua. sua interpretação de my funny valentine fazia a gente pensar sobre a natureza mutante das coisas, sobre a morte, com tamanha intensidade que se perdia a noção de tempo e espaço.

fui policial aqui, anos atrás — respondeu ela. — ainda venho à cidade toda primavera para o festival de jazz. você gosta de jazz?
— não.
— devia experimentar — disse ela. — winston marsalis toca nesse evento. grande músico. não gosta de trompete?

scarlotti não passa de um bandidinho desprezível que devia estar dentro do esgoto. ora, os policiais do seriado na tevê cospem na cara dos mafiosos e saem rindo, certo? pare de se preocupar. é tudo rock'n'roll.

ela tinha seios grandes e um corpo avantajado; sua sexualidade e inocência a respeito desse mesmos atributos parecia explodir de suas roupas quando ela dançava o jitterbug ou, momentos depois música lenta, de rosto colado com hank.

nas árvores, os alto-falantes tocavam one o'clock jump; através das janelas do bar, eu podia ver casais dançando freneticamente, girando uns nos braços dos outros, enquanto se lançavam para frente e para trás.

suas mãos estavam juntas, como as de uma cantora de ópera.

diga aos músicos para tocarem my funny valentine — falei eu.

eu quase podia ouvi-lo cantando i got a freaky old lady name of cocaine katie.

o rádio do carro berrava rock'n'roll dos anos 1960.

sexta-feira, março 16, 2007

trilhasonora3/o coração da floresta/james lee burke



ao que diziam, sundance kid e a amante do seu professor, etta place, tinham se hospedado nesse hotel, assim como os artistas de vaudeville eddie e will rogers.

de dentro vinha uma música cantada por elmore james, my time ain't long.

ele tinha caiado o interior da casa, colocado petúnias plantadas em latas de café no peitoril das janelas e pendurado a guitarra de doze cordas, o bandolim, o banjo e o violino em ganchos de paredes da sala. seu talento musical era enorme. ele se referia aos músicos de rock, blues e música country, vivos ou mortos, pelo primeiro nome ou pelo apelido, como se ele e seu interlocutor os conhecessem intimamente: hank e lefty, melissa, lester e earl, janice, kitty, emmylou, steve ray, woody e cisco.

ouço a última música deste cd. é o "rocket 88", de jackie brenston. foi o primeiro disco de rhythm and blues verdadeiro.

ele arrancou com duas mãos o rádio que ficava no painel e jogou-o no chão como se fosse um animal morto.

sua singularidade estava na tradição, que datava da década de 1940, quando as orquestras de salão tocavam glenn miller no terraço.

você sabia que jerry lee lewis foi expulso da faculdade de teologia daqui?

ao pôr-do-sol, uma banda composta de músicas com chapéu duro de palha e jaquetas listradas tocava san antonio rose.

lucas tinha acabado de tomar banho e vestir um jeans limpo e uma camisa esporte, e estava começando a tocar the wild side of life na guitarra, ouvindo as notas subirem no amplificador e vibrarem no ar como borboletas elétricas.

então a banda de lucas entrou no centro da arena, olhando para as milhares de pessoas sentadas nas arquibancadas, e deu início à festa tocando blue moon of kentucky.

ao fundo jerry lee lewis cantava i could never be ashmed of you.

quinta-feira, março 08, 2007

trilhasonora2/o dicionário do diabo/ambrose bierce



asno: cantor popular com boa voz e pouco ouvido.

aplauso: moeda usada pela ralé para pagar aqueles que a divertem e a devoram.

berimbau-de-boca: instrumento pouco musical que se toca prendendo-o entre os dentes e tentando escová-lo empenhadamente com os dedos.

clarinete: instrumento de tortura executado por uma pessoa com algodão nos ouvidos. só há dois instrumentos piores do que um clarinete: dois clarinetes.

dançar: pular ao ritmo de uma música alegre, de preferência com os braços ao redor da esposa ou filha do seu vizinho. existem vários tipos de danças, porém aquelas que requerem a participação dos dois sexos têm duas características em comum: são candidamente inocentes e ardorosamente apreciadas pelos depravados.

fonógrafo: brinquedo irritante que devolve a vida a ruídos mortos.

ópera: espetáculo cuja ação se passa em um outro mundo, cujos habitantes não falam, mas cantam; não têm gestos, mas ademanes; nem atitudes, mas poses. todo espetáculo é simulação, e a palavra deriva de símia, "macaco".

piano: utensílio de sala destinado a afastar um visitante contumaz. funciona massacrando-se as teclas do instrumento e o espírito dos ouvintes.

ruído: fedor nos ouvidos. música não-domesticada. principal produto da civilização e seu sinal mais característico.

violino: um instrumento que faz cócegas no ouvido humano através da fricção da cauda de um cavalo nas entranhas de um gato.

quarta-feira, março 07, 2007

trilhasonora1/negro e amargo blues/james lee burke



eu era o maioral. estive no paramount theater, no brooklin, com allan freed, dividi o palco com nomes como berry e eddie cochran.

ele levou a garota para um bar de negros em breux bridge, se bem me lembro; um bar de zydeco ou coisa assim. que merda é isso, afinal? é música dos negros e cajuns. quer dizer "vegetais"; uma mistura de vegetais.

coloquei la jolie blonde, com iry lejeune, para tocar na vitrola, vesti os calções de ginástica e fiquei malhando na cozinha durante meia hora.

isso foi logo depois dele ter posto o auditório inteiro abaixo cantando i saw the light, no opry.

era uma foto bem antiga, de arquivo, e mostrava-o no palco, sapatos de camurça, calças franzidas, um casaco esporte branco de lantejoulas, a guitarra sunburst pendurada no pescoço.

pedi um filé de frango e um café e fiquei ouvindo a versão de jimmy clanton para just a dream que vinha da vitrola automática no ambiente ao lado.

só que esse cara não tinha nada de engraçado. ele achava que rock'n'roll era coisa de negros e adoradores do diabo.

então, bolei uma canção sobre isso; de cabeça mesmo. podia ouvir todas as notas, as batidas, o contrabaixo me acompanhando.

...la jolie blonde, que instantaneamente fazia com que o ano voltasse a ser 1945.

just a dream, de jimmy clanton, tocava em todas as vitrolas automáticas do sul da louisiana, naquele verão, e os rádios dos carros no drive-in estavam sempre sintonizados no randy's record shop à meia-noite, quando randy dava início à madrugada com o programa sewanne river boogie.

quando o cara começou a tocar big boss man, qualquer um podia ver que ele já havia passado por parchman farm; ninguém consegue fingir esse tipo de sentimentos, filho.

ele construiu uma plataforma para o piano em seu clube, uma daquelas que sobem até os refletores enquanto o cara está tocando.

ficou andando pela casa, mal humorado, e então foi com sua guitarra sunburst até a varanda de trás, sentou-se nos degraus e começou a tocar, palheta nos dedos, e a entoar uma canção que eu ouvira antes apenas uma vez, há muitos anos. a letra seguia a melodia de just a closer walk with thee.

dixie armou um acorde de blues no alto do braço da guitarra e veio descendo com os dedos.