segunda-feira, março 19, 2007

trilhasonora4/ferrovia do crepúsculo/james lee burke




ele engraxou os sapatos de todo elenco da produção cinematográfica evangeline, de 1929, e lustrou os sapatos da orquestra de harry james e do senador huey long pouco antes de ser assassinado.

as janelas do lugar trepidavam e até mesmo balançavam com a reverberação provocada por pés dançando, acordeões, baterias e guitarras elétricas cuja microfonia gritava alto como unhas arranhando a ardósia.

ninguém se lembrava do nome do músico, exceto pelas pessoas que, nos anos 50, acreditavam ser ele o maior talento surgido desde bix beiderbecke. o som melancólico de seu trompete hipnotizava platéias inteiras que assistiam a seus concertos ao ar livre na praia de west venice. seus cabelos e olhos negros, a pele clara e uma beleza fatal que parecia morar em seu rosto, qual uma rosa branca desabrochando em meio a luzes negras, tudo isso fazia com que as mulheres virassem o rosto para encará-lo ao passarem por ele na rua. sua interpretação de my funny valentine fazia a gente pensar sobre a natureza mutante das coisas, sobre a morte, com tamanha intensidade que se perdia a noção de tempo e espaço.

fui policial aqui, anos atrás — respondeu ela. — ainda venho à cidade toda primavera para o festival de jazz. você gosta de jazz?
— não.
— devia experimentar — disse ela. — winston marsalis toca nesse evento. grande músico. não gosta de trompete?

scarlotti não passa de um bandidinho desprezível que devia estar dentro do esgoto. ora, os policiais do seriado na tevê cospem na cara dos mafiosos e saem rindo, certo? pare de se preocupar. é tudo rock'n'roll.

ela tinha seios grandes e um corpo avantajado; sua sexualidade e inocência a respeito desse mesmos atributos parecia explodir de suas roupas quando ela dançava o jitterbug ou, momentos depois música lenta, de rosto colado com hank.

nas árvores, os alto-falantes tocavam one o'clock jump; através das janelas do bar, eu podia ver casais dançando freneticamente, girando uns nos braços dos outros, enquanto se lançavam para frente e para trás.

suas mãos estavam juntas, como as de uma cantora de ópera.

diga aos músicos para tocarem my funny valentine — falei eu.

eu quase podia ouvi-lo cantando i got a freaky old lady name of cocaine katie.

o rádio do carro berrava rock'n'roll dos anos 1960.

Um comentário:

Julio Cesar Corrêa disse...

Será que ele gosta de trompete? Vou aguardar o próximo capítulo.
gd ab