
deixei
batist no café e atravessei a praça, passando pela catedral de
st. louis, onde, à sua sombra, alguns músicos de rua se preparavam para começar a tocar.
o bar em
napoleon estava cheio, o barulho era ensurdecedor e não consegui ver
clete em nenhuma das mesas. foi então que percebi que, no pequeno palco, algo de excepcional estava acontecendo.
fat man, o músico de
rhythm and blues mais famoso já produzido por nova
orleans, tinha saltado de sua
limusine cadillac rosa-choque bem em frente ao bar e, como um
messias retornando aos seus seguidores, com a capa branca cheia de lantejoulas e a pele preta de carvão quase ofuscante em seu brilho púrpura
elétrico, caminhou
diretamente ao piano através da multidão em festa. entre sorrisos e acenos, a cara de morsa irradiando paz e uma auto-satisfação inocente, começou a dedilhar
when the saints go marching on.
o local veio abaixo.
sim eu sei, respondeu ele. este é o da orquestra de
benny goodman, em 1933. mas tem poeira nas bordas. está vendo? a abertura da capa deve ficar sempre virada para o lado de dentro da prateleira. enfiou sua mão enorme dentro de uma das capas de papel e puxou o disco para fora.
deus te abençoe! adoro dançar esse
rock'n'roll antigo, quando os
sherlocks da homicídios afiam suas garras.
a música
rap que saía pelos alto-falantes de um estéreo era ensurdecedora, um ataque
eletrônico às sensibilidades.
ele sabia algo sobre a história do
jazz. sabia até como tratar discos raros de 78 rotações.
jazz tinha a conotação de fornicar. músicas como
easy rider ou
house of rising sun eram verdadeiros hinos ao vício em morfina e ao desespero suicida das prostitutas que viviam nos bordéis de
perdido street.
falei com um velho clarinetista negro na
preservation hall, com um saxofonista que costuma trabalhar para
marcia ball no
famous door, e com uma mulher branca de 150 quilos, cabelos flamejantes e vestido de lantejoulas que brilhava como cristais de gelo, que tocava
piano blues num buraco em
dumaine.
esse tipo de cara não gosta de música, gosta de ouvir alguém gritando.
jogou uma moeda na
vitrola e arrancou
big boss man lá de dentro. a seguir, ficou estalando os dedos e batendo palmas enquanto procurava outras músicas.
da frente da casa vinham acordes fracos e abafados de uma orquestra de
jazz de 1929. e então, o inequívoco som de trompete de
buck johnson, semelhante a um sino, crescendo acima da confusão melódica dos saxofones.
meu pai,
aldous, que tinha acabado de receber o salário, pagava rodadas no bar e dançava com minha mãe, enquanto a
vitrola tocava:
jolie blonde, garde donc c'est t'as fait.ta m'as quit-té pour t'en aller,pour t'en aller avec un que moi.foi o verão em que
just a dream, de
jimmy clanton, tocava em todas as
vitrolas espalhadas pelo sul da
louisiana.
a música é um clube. é como pertencer à igreja. não importa em que sala você está, desde que esteja no mesmo prédio. está me acompanhando?
numa daquelas noites
primaveris, fomos ao
new orleans jazz and heritage festival, em
fairgrounds, o
fat man estava no palco com a banda, o paletó de lantejoulas revestido de um brilho cor de
lavanda, o suor marcando seu rosto de leão-marinho como fios de plástico transparente, as mãos rechonchudas e os dedos, cheios de anéis, grossos como salsichas martelando as teclas do piano, as pessoas começaram a dançar no pátio, rebolando como adolescentes dos anos 40, fazendo o
bop, o
dirty boogie, o
twist, o
shag, braços e pernas em ângulos extravagantes, cheios de uma inocência erótica.